Um ano após início de ofensiva, MP diz que fraude no leite se expandiu

leite2

Segundo promotor, esquema ganhou força e se espalhou por toda a cadeia.
MP recebeu análises com novas substâncias usadas na adulteração.

Doze meses depois do início da ofensiva contra a fraude no leite no Rio Grande do Sul, o Ministério Público lamenta que pouco – ou quase nada – tenha mudado. Em maio de 2013, a Operação Leite Compensado escancarou um esquema de adulteração do leite crú no estado através da adição de água e ureia (com formol), em que transportadores ajustavam o produto em postos de resfriamento e repassavam às indústrias.

Mesmo após quatro fases em um ano, seis condenações criminais com penas que chegam a 18 anos de reclusão, 13 prisões e 26 pessoas denunciadas, a ilegalidade no setor persistiu e se expandiu. De lá para cá, novas substâncias foram identificadas e novos casos foram descobertos. Ao MP restou duas certezas: a fraude agora já abrange toda a cadeia do leite no estado, desde o produtor rural até as grandes empresas, e uma nova fase da operação, a quinta, será deflagrada em breve.

“É o mercado que está sendo receptivo, acolhendo a fraude” - Promotor Mauro Rockenbach

“Em qualquer segmento e em qualquer etapa da produção existem pessoas que estão, de alguma forma, ajustando o leite, adicionando substâncias para lucrar. Praticamente todas as bacias do estado sofrem adulteração”, alerta o promotor da Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, Mauro Rockenbach, responsável pela Operação Leite Compensado.

Segundo Rockenbach, o efeito da condenação não está resolvendo o problema. “Temos punição de 18,5 anos a um transportador, e eles não se intimidam. Alguma coisa tem de ser feita. Se a ganância continua imperando, é o mercado que está sendo receptivo, acolhendo a fraude. Temos de mexer mais ainda nesse fenômeno, provocar uma reação”, salienta.

Além do formol, presente na ureia, e da água, o Ministério Público flagrou ainda o uso de peróxido de hidrogênio – composto conhecido popularmente por água oxigenada -, açúcar, sal e até mesmo soda cáustica, substância altamente corrosiva. “Tudo para mascarar, recompor o leite velho. A ureia recompõe a perda nutricional do leite adulterado com água. O peróxido de hidrogênio é usado como agente bactericida, na função de conservante. A soda, como é um composto alcalino, é utilizada para baixar a acidez do leite vencido”, explica o promotor.

Com tantas evidências do esquema, que afeta o leite crú e praticamente todos seus derivados, exceto o leite em pó, o MP está preparando a quinta fase da Operação Leite Compensado. O objetivo, depois da ofensiva, é chamar as partes envolvidas por um basta na fraude, a única maneira, conforme Rockenbach, de tentar solucionar o caso.

“Em breve serão deflagradas novas fases da operação. Faremos novas buscas, com mais mandados de prisão e de apreensão e também vamos dar atenção ao patrimônio que foi adquirido com a fraude”, avisa o promotor. “Temos laudos de leite adulterado que vieram de Santa Catarina, além de São Paulo e Paraná, onde nós já havíamos constatado. Por isso, nossa estratégia será reunir todo mundo, acender a luz vermelha e colocar ordem no baile, porque a coisa está feia. Por um desfecho favorável, é preciso criar esse pânico”, acrescenta.

O promotor prefere não trabalhar com prazos para eliminar a fraude que, segundo ele, está “enraizada” no setor. “É uma cultura de muitos anos, que já entrou no orçamento do leite. Até mudar essa realidade vai levar um tempo. Mas não tenho pressa. Meu patrão é a sociedade, que quer ver a gente trabalhando. Vamos continuar prendendo gente, apreendendo caminhões, fechando indústrias… Não temos pressa”, afirma.

‘Maioria das análises não possui problema’, diz Ministério

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) é um dos principais parceiros do Ministério Público na obtenção de provas da fraude do leite desde o início das investigações. É do orgão federal a responsabilidade de fiscalizar e analisar amostras onde há indício de adulteração. Foi a superintendência regional, inclusive, que alertou para o esquema, ainda em 2012.

Ciente do problema que persiste, apesar dos esforços, o chefe da Divisão de Defesa Agropecuária do Mapa e superintendente adjunto no Rio Grande do Sul, José Severo, entende que não há uma fórmula pronta para solucionar o caso. É preciso combater, fiscalizar e auditar de forma contínua.

“Estamos trabalhando para colocar as coisas no lugar. Se você pensar na fraude em cadeia, ela até aumentou, se espalhou entre produtores e transportadores. Mas a quantidade de formol encontrado desde o ano passado vem caindo. Estamos caminhando no sentido de proteger o consumidor. O que vai acabar com o esquema são as ferramentas de fiscalização em toda produção do leite, desde a alimentação do animal até a atividade industrial. São necessárias ferramentas auditáveis”, avalia.

Apesar de concordar com o promtor Rockenbach, quando se diz que a fraude se espalhou em um ano, Severo trata de amenizar a situação e afirma ainda é confiável consumir o leite gaúcho. “Existem problemas em locais pontuais. As propriedades que foram flagradas continuam com o esquema. Mas é importante esclarecer ao consumidor que a grande maioria do leite analisado pelo Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul não tem problema. Temos obtido resultados que não são comprometedores”, informa.

G1 fez contato com a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa) para falar sobre as ações efetivas que estão sendo tomadas pela Pasta no combate à fraude. No entanto, a assessoria de imprensa do secretário Cláudio Fioreze não conseguiu encaixar na agenda um espaço para conceder entrevista. O mesmo ocorreu com o Sindicato das Indústrias de Leite do Rio Grande do Sul (Sindilat-RS), que não designou nenhum representante.

Fonte: GLOBO G1